O inimigo agora é outro

Você sabe o que é direito penal do inimigo? O jurista alemão Jaco diz que “inimigo é um modelo teórico de política criminal que estabelece a necessidade de separar da sociedade, excluindo das garantias e direitos fundamentais, àqueles que o Estado considere como inimigos”.

Resumindo, certos indivíduos cometem tantas condutas ilícitas que os direitos e garantias oferecidos pelo Estado já não lhe devem ser mais aplicadas, devendo os órgãos estatais punirem o excluído sem a observância de qualquer princípio constitucional.

Quando se analisa esse conceito logo pensamos em figurões do crime, chefe de grandes organizações criminosos e até conseguimos imaginar uma lógica nesse raciocínio, afinal, essas pessoas contribuem em que para a sociedade? Porém, do ponto de vista jurídico, tal entendimento não pode prevalecer.

O artigo 5º, inciso LVII diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (Princípio da presunção de não culpabilidade).

No mesmo raciocínio, o artigo 11.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”. (Princípio da presunção de inocência)

Poderia ficar o dia todo citando artigos da Constituição Federal, de tratados internacionais e de normas ordinárias do nosso ordenamento jurídico, mas explicar o óbvio não vai acrescentar no assunto principal.

A questão é que o Brasil está invertido. Se protege muito os “inimigos do Estado”, mas existe uma forte tendência em criminalizar a conduta dos que lutam contra os bandidos, os policiais.

Vamos aos exemplos:

(Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/09/28/justica-manda-soltar-o-barao-das-armas-da-bahia.ghtml)

Os exemplos são muitos, mas a indignação não é apenas com a facilidade em soltar os inimigos do Estado, mas sim a pressa em julgar e condenar quem prende esses figurões. Essa vontade de sufocar a segurança pública não é apenas do Judiciário, mas também da mídia e de qualquer um que tiver a possibilidade de exercer um cargo que possa prejudicar o policial.

Indo ao fato concreto, exemplifico algumas situações que ocorreram no DF. A primeira diz respeito a abordagem que ocorreu em um ônibus em Planaltina. A PMDF foi acionada para atender uma situação de homem armado dentro do ônibus (vale lembrar que pouco tempo atrás houve um latrocínio próximo ao Recanto das Emas, onde um cobrador morreu, vítima de disparo de arma de fogo). Chegando ao local os policiais abordaram o suspeito, que resistiu a abordagem. Segue o link da reportagem do jornal Metrópoles, feito por Mirelle Pinheiro e Carlos Carone, na íntegra: https://www.metropoles.com/distrito-federal/na-mira/pms-onibus-afastados.

Novamente, os jornalistas já decidiram que houve sim a truculência, mas sem argumentos jurídicos. Necessário entender que argumentos pessoais não importam quando o caso é visto do ponto de vista legal. O que eles queriam? Que com a negativa da abordagem os policiais saíssem do local e deixassem todo uma população na dúvida se havia ou não arma ali? Entre o conflito de direitos, prevalece o interesse público. Era sim necessária a abordagem e era mais importante ainda ter dado o recado que a PM está de olho em qualquer um que pretender cometer crimes dentro de ônibus.

Noutro ponto, passamos agora a situação da morte do cachorro no Bandeirante. Reportagem disponível no link: https://www.metropoles.com/distrito-federal/pm-invade-casa-e-mata-cachorro.

A PMDF afirma que ao fazer o patrulhamento viu um homem jogar drogas dentro de uma casa e que ao entrar um cachorro lhe atacou e foi necessário matar o animal. A investigação foi aberta e tudo está sendo analisado. Contudo, para surpresa de muitos, o Tribunal de Contas do DF, por meio do Conselheiro André Clemente, se manifestou. Segue:

(Disponível no site: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/stj-solta-chefe-do-pcc-por-considerar-abordagem-da-pm-ilegal-policiais-e-promotores-reagem/)

Referente a reportagem, consta que: “O magistrado entendeu como ilegal a abordagem dos policiais militares em São Paulo. Pela ocorrência, os militares informaram um “comportamento estranho do réu”, o que causou suspeita na equipe e motivou que ele fosse abordado”.

(Disponível em: https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/justica-manda-devolver-helicoptero-lancha-e-mansao-a-um-dos-principais-chefes-do-pcc)

Importante ressaltar os termos utilizados na reportagem: “a vítima dos PMs”. Porque vítima? Já houve algum julgado contra os policiais? A investigação ainda está ocorrendo. Usar esses termos apenas quer reforçar a narrativa que os policiais cometeram abuso. Se na investigação for constatado que realmente os policiais estavam certos, pois foram chamados para atender uma ocorrência de homem armado dentro de um ônibus e este veio a desobedecer as ordens, será que o jornal vai publicar nova matéria?

Esse tipo de reportagem não prejudica em nada a polícia. Ela vai continuar atuando quando for chamada e vai resolver o problema. Ela atrapalha é a população, que ao acionar a PM para atuar em caso de possível crime, vai ser atendida por um policial com medo de cair na mídia e ser crucificado por jornalistas que não se importam com a segurança pública, mas sim com as curtidas de suas matérias.

Resumindo o texto do Conselheiro: punam com rigor os policias, porque eles mataram um cachorro. Pronto! Não precisa ler mais nada.

Porém, vamos aos termos utilizados pelo Conselheiro: “apuração célere e abrangente”. Ora, apuração célere? Quem dita os prazos e os procedimentos é o Código de Processo Penal Militar. Nenhum órgão pode encurtar uma investigação por causa do um pedido de uma autoridade que nem no processo está. Usar de sua influência para interferir em uma investigação não é cabível legalmente, muito menos moralmente.

Mais termos: “não apenas no aspecto punitivo, mas, também e sobretudo, para aperfeiçoamento institucional”. Mais uma vez, a presunção da inocência é ignorada. Não cabe ao Conselheiro exigir apenas a punição, mas também o ajuste do procedimento. Primeiro porque o fato não foi julgado, então, em tese, não há irregularidade a ser sanada, muito menos punição a ser dada. Segundo, que quem define a proteção contra ataque de animais é o Código Penal, artigo 23, quando narra as excludentes de ilicitude. O Conselheiro não pode interferir nesse ponto.

Ademais, interessante lembrar que esse mesmo Conselheiro está sendo investigado por superfaturamento no “Brasília Iluminada” (https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/02/11/brasilia-iluminada-stj-suspende-investigacoes-que-envolvem-ex-secretario-de-economia-do-df.ghtml). A defesa afirma que: “A Defesa prossegue confiante no seu trabalho de demonstração da origem política dessa investigação, no reconhecimento da inocência do seu cliente e do definitivo esclarecimento dos fatos”.

De modo algum está querendo se imputar o crime ao Conselheiro, os fatos estão sendo analisados pela Justiça e cabe a ela dizer se houve ou não superfaturamente. Porém, porque quando o calo aperto no seu sapato a presunção de inocência é necessária e quando é com outro, ela deixa de ser importante, sendo necessário, inclusive, pedir celeridade nas investigações.

 Enfim, as narrativas construídos em nada ajudam a população do DF. Os erros da Corporação serão sempre punidos e corrigidos, mas e os erros dos outros? Como diz Faustin Helie: “É mais fácil formular uma acusação que destruíla, como é mais fácil abrir uma ferida que curála“.

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