Tradição dos Juliōes na produção de máscaras de Olinda chega ao Rio
O artesão Mateus Vitor Santos Vilela, de 27 anos, é a quarta geração que mantém viva a tradição da arte popular de produzir máscaras em Olinda, Pernambuco. A primeira e mais conhecida é a La Ursa. Tudo começou com seu bisavô Julião Vilela, artesão nascido na cidade no final do século 19, que dá nome ao Bazar Artístico de Julião das Máscaras, onde as peças são criadas. Depois dele, veio o filho João Dias Vilela, o neto João Dias Vilela Filho e o bisneto Mateus.

Na terceira geração, João Dias Vilela Filho aprendeu o ofício vendo o pai trabalhar para sustentar a família. O interesse em fazer o mesmo trabalho se manifestou cedo, quando tinha 12 anos de idade. O único dos cinco irmãos que seguiu a tradição do artesanato foi chamado em uma ocasião para substituir o pai que tinha ficado doente, como professor de artes plásticas em escolas municipais de Olinda. Aquele momento resultou em uma carteira assinada e a sequência na profissão até a aposentadoria, sem, no entanto, deixar de lado as outras atividades.
“Nada no mundo é fácil, tem que insistir. Tem muita gente que no meio do caminho desiste, mas se atreve porque tem que ter dedicação total. Já levei muito puxão de orelha para fazer. Meu pai falava ‘não está certo, mas você faz melhor’ e assim eu comecei a aprender”, lembra João em entrevista à Agência Brasil.
“Se você disser a um menino que aquilo ali está feio, ele vai para casa e não volta mais. Tem que dizer que ele faz melhor”, ensina João, que, aos 65 anos, diz que tem muita paciência para transmitir o seu conhecimento às pessoas interessadas.
As máscaras feitas em papel machê, com uma mistura de papel e goma de mandioca, chamam a atenção de moradores e visitantes de Olinda e fazem parte da cultura do carnaval da cidade, que atrai grande quantidade de turistas e lota as ruas. Durante o período, muitos deles compram as peças para participar dos diversos desfiles de troças, maracatus e blocos, que também têm como atração característica os bonecos gigantes.
O de maior destaque é o Homem da Meia-Noite. Ele passa pelas ruas justamente no sábado neste horário e no domingo e é responsável pela entrega da chave do carnaval de Olinda para que a Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense faça a abertura dos festejos.
Agora, a arte das máscaras pode ser admirada no Rio de Janeiro até o dia 25 de fevereiro de 2026, na exposição Entre Máscaras e Gigantes: Os Juliões do Carnaval de Olinda. A nova mostra do programa Sala do Artista Popular (SAP) foi instalada no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP/Iphan), que fica no Museu de Folclore Edison Carneiro, no Catete, zona sul do Rio.
“É muito importante para a gente porque vemos a nossa cultura ultrapassar as fronteiras. A gente produz e faz [máscaras] há mais de 100 anos, desde o meu bisavô, meu avô, meu pai e hoje em dia comigo”, diz, orgulhoso, Mateus, em entrevista à Agência Brasil.
‘Isso é um orgulho muito grande de as pessoas reconhecerem a gente como artistas. A cultura não pode cair. Agradeço muito às pessoas que compram. Gosto do que eu faço. Quando a gente gosta do que faz, vai abraçar o mundo todo”, afirma o pai de Mateus.
A valorização do trabalho já superou fronteiras. Mateus conta que a família já enviou máscaras para vários lugares do mundo, mas é a primeira vez que faz uma exposição fora de Pernambuco. “A gente vê como oportunidade também de as pessoas conhecerem a cultura de Pernambuco que vem crescendo cada vez mais, principalmente, referente a La Ursa, que hoje é um símbolo do carnaval pernambucano.”
O interesse na La Ursa extrapolou o carnaval. Atualmente ela é usada em decoração, é nome de restaurante, é acervo de museus e aparece até no filme O Agente Secreto, de Kleber Mendonça, protagonizado por Wagner Moura, que vem recebendo prêmios mundo afora. “La Ursa hoje virou quase uma entidade própria. Está presente em restaurantes, blocos, roupas e adereços. Em Pernambuco, se vê La Ursa desde uma propaganda até uma camisa de uma pessoa”, completa.
A vivência e o amor ao carnaval impulsionam a continuidade da tradição de produzir máscaras. “A gente gosta de carnaval. Eu brinco, meu pai também, isso impulsiona muito a gente a fazer. É um legado. Tem gente que compra as máscaras desde pequeno e fala para a gente ‘meu pai comprava com seu avô’, gente que de anos vem comprando com a gente.”
Mateus lembra que no começo o bisavô fazia as máscaras características da época que eram de Pierrot e Colombina até que o seu avô começou a fazer os bonecos gigantes de Olinda, que atualmente têm uma produção menor. “Os bonecos de Olinda eram feitos pelo meu avô, fez o Homem da Meia-Noite, a primeira feminina, que foi a Mulher do Dia”, conta, ao concordar que os bonecos são muito característicos de Olinda.
“É uma coisa que entra no sangue da gente que a gente não deixa de atender e cada vez mais aperfeiçoando para sair melhor.”
Segundo o neto da tradição dos Juliōes, a produção segue durante o ano todo, porque recebem muitas encomendas, principalmente a máscara da La Ursa, mas tem também as de animais e personagens tradicionais. “Tem pessoas que vêm para comprar no carnaval, mas tem também para comprar no ano todo. A gente também participa de feiras como a Fenearte [Feira Nacional de Negócios de Artesanato] de Olinda. A gente tem todo tipo de demanda, tem de rosto, de cabeça e para a decoração.”
João Dias Vilela Filho e o filho Mateus vieram para o Rio para a abertura da exposição na quinta-feira (11). Empolgados com o legado recebido de Julião, gostam de dividir o conhecimento. Eles participaram de oficinas para ensinar como as máscaras são produzidas. Ao todo estão expostas mais de 100 peças, parte em exibição e o restante no Espaço de Comercialização. Os valores estão entre R$ 100 e R$ 250.
Entre as várias máscaras expostas, a mostra apresenta um panorama em fotos e vídeo, mostrando o processo de criação, com as etapas de trabalho da casa/ateliê de João Dias Vilela Filho, em Varadouro, que fica próximo do Bazar Artístico de Julião das Máscaras, em Olinda. As imagens que integram a mostra e o catálogo foram registradas pela premiada fotógrafa Mirielle Batista Misael.
Para a autora da pesquisa e do texto do catálogo da exposição, a antropóloga Raquel Dias Teixeira, conforme indicou no conteúdo de divulgação da mostra, os visitantes terão “acesso a um universo simbólico carnavalesco profundamente enraizado na cultura popular pernambucana”. Ainda de acordo com a antropóloga, essa arte vai além de moldar rostos e memórias do imaginário popular.
“Mais que objetos festivos, essas máscaras, ao habitar diferentes lugares e contextos, também expressam vínculos de parentesco, convivência e território, perpetuando um saber que une trabalho, brincadeira e invenção”, aponta Raquel no conteúdo.
O catálogo traz a história da família de Julião nesta arte, que tem como característica, grandes cabeças para fantasias carnavalescas, mas também mamulengos, brinquedos de madeira entre outros objetos de artesanato. Na sua trajetória a família chegou a produzir mais de 50 bonecos gigantes.
Serviço:
Museu de Folclore Edison Carneiro – Rua do Catete, 179
Período da exposição: 11 de dezembro de 2025 a 25 de fevereiro de 2026
Dias e horários de visitação: Terça a sexta-feira, das 10h às 18h. Sábados, domingos e feriados, das 11h às 17h
No recesso de final de ano, nos dias 24, 25, 31 de dezembro e 1º de janeiro de 2026, a exposição estará fechada
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