Festa Literária de Niterói celebra diversidade cultural

O público que for à Festa Literária Internacional de Niterói (Flin) até este domingo (19) vai poder se divertir com mais de 60 atrações, no espaço Reserva Cultural, em São Domingos, das 9h às 21h30, nesta sexta-feira (17) e domingo, e das 9h às 22h, neste sábado (18). O antropólogo, educador, escritor e político Darcy Ribeiro, considerado um dos mais importantes pensadores do século 20 é o homenageado deste ano.
Com programação gratuita, que começou nesta quinta-feira (16), a edição 2025 traz, por meio da literatura e da arte, a diversidade cultural. Entre os autores brasileiros estão presentes Conceição Evaristo, Itamar Vieira Junior, Ana Maria Gonçalves, Nei Lopes e Thalita Rebouças. Entre os estrangeiros, o moçambicano Mia Couto.
A programação conta com mesas de debate, atividades infantis, música e rodas de conversa, em cinco ambientes principais. A Sala Nélson Pereira dos Santos vai receber desde o espetáculo infantil João e o Pé de Feijão no Sertão, da Cia. Teatral Sassaricando, a encontros com autores, e uma conferência com a Monja Coen.
O Palco Darcy Ribeiro, o Espaço Nikitinhos, a Arena Flin e o Palco Povo Brasileiro foram montados especialmente para a feira, realizada pela Prefeitura de Niterói, por meio da Fundação de Arte de Niterói (FAN).
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O diretor de Conteúdo e Programação da Flin e da Niterói Livros, Jordão Pablo de Pão, ressalta que a Festa Literária Internacional de Niterói foi pensada para ser um ponto de encontro de Niterói com o mundo.
“Quando fizemos a curadoria dos nomes, pensamos em trazer as melhores ou potentes experiências no cenário nacional e internacional, aliada ao público local. A gente tem artistas e instituições de letras locais associadas a instituições nacionais como Academia Brasileira de Letras, pessoas de referência como Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves, e pessoas internacionais ou que trabalham o processo criativo. Estamos indo mais para este lado de literatura de processo criativo”, disse Jordão Pablo de Pão à Agência Brasil.
“A ideia que a gente tinha de uma grande festa como o processo criativo, permite o ser humano se expressar e ao mesmo tempo se construir enquanto indivíduo. Por isso, muitos dos nomes vão participar de mesas pensadas para a gente discutir temáticas e estratégias que eles têm enquanto artistas”, avalia.
Na combinação da literatura com o audiovisual, os destaques são o escritor e roteirista Raphael Montes e o ator e dramaturgo Miguel Falabella, que tiveram obras adaptadas para a televisão, como também o escritor gaúcho Luis Fernando Veríssimo, morto este ano, que também será homenageado. Fernanda Veríssimo, uma das filhas do escritor, o ator Diogo Vilela e o jornalista e escritor Arthur Dapieve participaram de uma mesa montada para celebrar o mestre do humor.
A programação tem uma parte exclusiva para crianças e adolescentes, e vai receber uma das principais autoras desse público. Entre os sucessos da escritora e jornalista Thalita Rebouças, que completou 25 anos de carreira, estão os livros da série Fala sério! e Tudo por um popstar. Ainda nas atividades para o público infantil, o Espaço Nikitinhos promete atrair as crianças com a presença de grupos como Os Tapetes Contadores de Histórias, Lekolé e Violúdico.
“A gente também está discutindo de verdade a questão da literatura jovem adulta, que nos interessa muito. É um público que consome muito livro, faz leitura e está em crescimento”, disse Jordão Pablo.
Um grupo de especialistas divide a curadoria da Flin 2025, que é assinada pela professora, pesquisadora e escritora Vilma Piedade; pela diretora do Instituto de Letras da UFF, Carla Portilho; pelo diretor de Conteúdo e Programação da Flin e diretor da Niterói Livros, Jordão Pablo de Pão; e pela diretora da Blooks Livraria, Elisa Ventura.
No trabalho de curadoria, a parte que trata da questão racial ficou com Vilma Piedade, que se descreve como escritora com E maiúsculo e pesquisadora com P maiúsculo, e tem o trabalho focado nos temas racismo e branquitude, opressão e privilégio.
Vilma Piedade se anima com a troca de saberes que a Flin vai permitir.
“Vem Nei Lopes. Falar em Nei Lopes é falar em toda uma cultura afro-brasileira como escritor, intelectual, educador e sambista; vem a Conceição [Evaristo], a Helena Theodoro. Ela é escritora, primeira professora doutora do Brasil, uma mulher negra de axé e que também faz um trabalho com samba maravilhoso com As Guerreiras do Samba; e tem o Itamar Vieira [Junior]”, disse Vilma Piedade à Agência Brasil.
Ao lembrar de uma expressão lançada por um amigo, Vilma disse que a Flin pode ser chamada de Rock in Rio literário, diante de tantas atrações importantes.
“Mia Couto, que é moçambicano e ganhou o Prêmio Camões; Ana Maria Gonçalves, que entrou na Academia Brasileira de Letras e é a autora de Um efeito de Cor; Conceição Evaristo, que está na Academia Mineira de Letras e é um ícone na literatura”.
“É literatura e arte o tempo todo. Isso estimula a troca de conhecimento com a população participando. Estimula a democracia como disse o prefeito [de Niterói] Rodrigo Neves. [A Flin] Está trazendo arte, cultura e troca de saberes”, acrescentou.
“Estou chamando de um grande aquilombamento textual, literário e artístico”.
Na visão de Vilma Piedade, a Flin vai contribuir também para dar mais visibilidade para os autores e autoras que tratam de cultura negra e de questões raciais. Citou a escritora portuguesa, psicóloga e artista interdisciplinar com raízes em Angola e São Tomé e Príncipe Grada Kilomba, em Memórias da Plantação, que tem a frase ‘Uma mulher negra, diz sou uma mulher negra, e uma mulher branca, diz sou uma mulher. Um homem branco diz eu sou uma pessoa’.
A frase, para ela, mostra que o racismo desumaniza.
“Se parar para observar, nós temos sempre que dizer cultura negra, questão racial, temos sempre que reafirmar isso. Temos hoje um grande número de autores e autoras negras. A nossa primeira romancista Maria Firmina dos Reis, que escreveu Úrsula no século 19, só foi ser falada no século 20. A nossa primeira advogada, Esperança Garcia, é negra, mas só foi resgatada tempos atrás. Temos Carolina Maria de Jesus, com Quarto de Despejo. O que aconteceu? Ela foi traduzida em mais de 40 idiomas. Nasceu, cresceu e morreu no chão. Hoje temos expressões como Djamila Ribeiro. Estamos fazendo esse pensar sobre a nossa filosofia. O racismo negou nossa história, nossos valores, nosso conhecimento, aconteceu um epistemicídio. Essa feira está trazendo essa questão para fazer a troca de saberes. É muito importante”, afirma.
Ela lembra que atualmente existe a literatura infantojuvenil para crianças negras. “Elas não se viam reconhecidas nos livros infantis”, ressalta.
Um dos destaques da literatura infantojuvenil negra é a presença de Rodrigo França, autor do livro O Pequeno Príncipe Preto. “Ele é ator, dramaturgo, escritor. A curadoria é coletiva, mas está na minha área”, explicou Vilma.
A pesquisadora lembra que depois da pandemia muitas livrarias fecharam e o número de publicações digitais cresceu. Esse fator também é considerado pela Flin, que incluiu espaços para discussões sobre esse tema.
“Vai ter mesas trabalhando a inovação e discutindo a IA [inteligência artificial], mas o analógico está presente também”, afirmou.
“A gente começa a entender que existem outras formas de ler possíveis. Isso está muito dentro da gente. A gente está falando muito de oralidade, do papel da internet e da tecnologia nesse processo de leitura, e a Flin trata disso também”, explica Jordão Pablo de Pão.
A entrada na Sala Nelson Pereira dos Santos é a partir da distribuição de senhas 2 horas antes do início de cada atração. Para a Arena Flin é por ordem de chegada, sujeita a lotação. Os outros espaços têm trânsito livre.
Informações sobre a programação estão no site da feira.