Avós da Comunidade dão voz aos griôs das periferias do Rio de Janeiro

Conhecer histórias e saberes guardados por quem viu os bairros do Rio de Janeiro nascerem, crescerem e se transformarem, é uma caminhada que pode ser feita, a partir desta sexta-feira (17), tendo como ponto de partida o projeto Avós da Comunidade, uma série audiovisual idealizada por Dandara Barbosa, que celebra a sabedoria ancestral e a oralidade dos griôs, aqueles que são os mais velhos das comunidades cariocas.
A ideia nasceu de um incômodo. “Vendo uma internet cada vez mais jovem, comecei a me perguntar: cadê os nossos griôs? Falamos tanto de ancestralidade, mas quase não ouvimos as vozes dos mais velhos”, conta Dandara.
“Criei o Avós da Comunidade para valorizar e deixar registrado aqueles que serão nossos futuros ancestrais.”
O projeto percorre diferentes regiões da cidade:  Morro da Providência, Serrinha e Inhoaíba —, revelando personagens que são verdadeiros guardiões da memória de seus territórios.
A cada episódio, o espectador é convidado a sentar-se à mesa com essas figuras inspiradoras. São avós, pais, fundadores de bairros, mestres do Jongo ou contadores de ‘’causos ‘’sobrenaturais.
“Os griôs são guardiões da história. São pessoas que viram tudo acontecer, que construíram o que hoje a gente chama de comunidade”, explica Dandara.
Ela lembra que o primeiro impulso para o projeto veio em 2023, quando participou de um edital chamado Cultura nas Redes. “O nome me provocou: o que eu quero colocar na internet? Então pensei: vamos ouvir essa sabedoria griô, vamos registrar esses que um dia serão nossos ancestrais”, diz.
As primeiras gravações ocorreram na própria casa de Dandara, na Urucânia, na zona oeste do Rio, com os fundadores do bairro.
“Foi tudo pequeno, mas com muito afeto. Percebi que cada fala era uma aula, uma risada, uma lembrança que não podia se perder.”
Entre as histórias mais marcantes está a de Dona Jura, personagem do Morro da Providência, que transformou o amor pela cozinha em sustento e referência cultural. “Ela é uma mulher muito forte, nordestina, que veio para o Rio construir a vida. A comida virou ponto de encontro, de afeto e de sobrevivência”, conta Dandara.
“Todo mundo tem uma memória afetiva com comida e com as avós. Dona Jura traz isso com uma força enorme. Ela mostra que, mesmo enfrentando dificuldades, é possível sonhar e seguir em frente.”
No Morro da Serrinha, berço do jongo e da tradição afro-brasileira, o projeto encontra Sanã, Raimunda e Eliana, personagens que mantêm viva a herança dos batuques e das histórias passadas de geração em geração.
Já em Inhoaíba, na zona oeste, o grupo Fruta do Pé revela a força da família, da disciplina e do reencontro entre gerações. “Fomos recebidos pelos griôs Eloy, Paulo e Marly. Cada um com uma trajetória que mistura resistência e ternura”, diz Dandara.
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Para Wallace Silva, produtor do projeto, registrar essas vozes é um ato de continuidade. “Durante séculos, o conhecimento dos griôs era transmitido apenas pela oralidade. Agora, adaptamos essa prática aos dias atuais. É um intercâmbio entre gerações que não se perde com o tempo, porque está em audiovisual”, explica.
Dandara concorda e amplia o olhar: “Falamos muito do passado, mas eu sempre pergunto: quais são seus sonhos? Porque quem está vivo ainda sonha. Essas pessoas são bibliotecas vivas, e cada fala é um ensinamento.”
Com leveza, respeito e escuta sensível, Avós da Comunidade faz mais do que resgatar memórias — constrói pontes entre tempos, afetos e territórios.
“É bonito ver como eles se emocionam ao contar e como nós nos reconhecemos nas histórias deles”, diz Dandara, sorrindo. “Afinal, somos todos parte dessa grande família chamada memória.”
A série pode ser vista, sempre com um episódio novo a cada sexta-feira, a partir das 15h, no canal Avós da Comunidade, no Youtube.
 

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