Durante a tradicional encenação da Via Sacra de Planaltina (DF), realizada nesta Sexta-feira da Paixão (18), a fé e a busca por sobrevivência se encontraram entre os 100 mil fiéis que acompanhavam o espetáculo. Em meio ao silêncio das orações, vozes discretas anunciavam: “Olha o salgadinho… cinco reais”.
Era Matheus de Souza, 27 anos, que aproveitava as pausas da missa para tentar vender os produtos que carregava nos braços havia mais de três horas. Pai solo de duas meninas pequenas, Matheus carrega não só sacos de salgadinhos, mas também sonhos: um emprego fixo, o retorno aos estudos e a esperança de uma vida melhor para suas filhas.
“Tenho orgulho de ter o nome de um dos apóstolos. Peço ajuda a São Mateus e a Jesus Cristo”, diz ele, emocionado. Atualmente, trabalha como auxiliar de limpeza em uma escola particular, mas não tem condições financeiras de estudar. Seu expediente vai das 9h às 18h, seguido de um segundo turno: até as 22h vendendo nos semáforos de Brasília.
Outro exemplo de fé e perseverança é José Silva, 40 anos, vendedor de batata frita e morador de Águas Lindas de Goiás. Cearense de Juazeiro do Norte, ele se mudou para o DF há 20 anos e sustenta cinco filhos com pequenos bicos. Analfabeto, aprendeu a identificar ônibus apenas decorando partes dos letreiros. “Voltar a estudar seria um milagre, mas só se Deus quiser”, conta.
Na mesma atmosfera de esperança e religiosidade, Carlos Silva, 39 anos, expõe seus artesanatos feitos com palha de coco verde na entrada do evento. Devoto de Padre Cícero, Carlos viveu nas ruas por quase uma década, aprendeu a arte da palha e sonha em terminar o ensino fundamental pelo EJA e abrir uma loja própria. “Transformar o coco em flor é como transformar a vida. Cada peça é uma oração”, diz.
A 52ª edição da Via Sacra de Planaltina contou com direção do dramaturgo Preto Rezende e a participação de 1,4 mil voluntários entre técnicos, atores e figurantes. O espetáculo encena as 14 estações da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. A celebração atrai fiéis de todo o Brasil e fortalece o comércio local, especialmente dos ambulantes, que compartilham com o público suas histórias de superação.
Planaltina, a cerca de 50 km de Brasília, se torna palco não só de um espetáculo religioso, mas de uma verdadeira celebração da vida, da luta diária e da fé que move milhares de pessoas – como Matheus, José e Carlos – a acreditarem em seus próprios milagres.